quinta-feira, 30 de abril de 2009

Onde vais?

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"Onde vais Macário?
- Vou morrer!"

Onde vamos todos nós? Onde vai você, ó nobre Doutor, certo de que possui toda sabedoria? Onde vai você, ignorante aspirante da felicidade que, por sinal, possui felicidade? Todos seguimos em fila rumo a um abismo, o abismo do fim, da morte.
De pouco adianta toda a ciência, de pouco adianta toda a temperança e todo discernimento se iremos cair no mesmo buraco.
É ao verme, este operário das ruínas, que fica todo nosso conhecimento e toda nossa herança ilusória de felicidade... a pergunta é para que?
Por que buscar a felicidade como lobos buscando alimentos? Enfim... por qual motivo devemos buscar viver? Fora o instinto de vida (que pode ser o mesmo que instinto de morte) não encontro outra explicação, outro justificativa para essa vida tão vazia que possuimos. Mesmo quem julga ser completo é vazio, e sabe disso.

Por isso a resposta à pergunta onde vamos é: vamos morrer.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Reinado deserto

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Construo castelos em minha mente
Onde sou rei de um reinado vazio
Não tenho servos e nem rainha
Apenas um escravo: Eu mesmo.

Em uma terra acinzentada por lembranças
Chamuscada pelo árduo fogo da dor
Vazia pela eterna incerteza
Triste pela ausência de amor.

Meu reinado é rígido e forte
Belicamente protegido
Espiritualmente reforçado
Sempre derrota qualquer inimigo.

O rei e seu escravo guerreiam
Contra as hordas maléficas
Contra os sonhos malditos
E a luta vai chegando ao fim.

Rei solitário escravo de si mesmo
Rei infeliz inimigo de si mesmo
Hordas de lembranças e velhos sonhos...

Ao final da batalha nós vencemos!
Derrotamos nós mesmos!
Não resta sonho...
Nem reinado... nem saída...

Apenas escombros abandonados
Apenas lembranças esquecidas
De meu castelo, Reinado...
De minha vida.

{Escrito em 04/2007}

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Chuva de fim de tarde

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A chuva cai em silêncio
(assim)
... ... ...

Como as lembranças em minha mente
(são)

... ... ...

Memórias de tempos perdidos
(cada vez)

... ... ...

Mais rápido as gotas caindo
(mais dolorosas)

... ... ... ...

E o vazio de minh’alma preenchem
(e árduas como)
... ...

Nuvens negras que escurecem o dia
(o pesar...o ferir...o não-ser)

... ... ...

Escuras são as lembranças
(que tornam... ... ...
... ...Amarga essa vida vazia)

... ... ...
Amarga tarde de chuva
... ... ...
Amarga desesperança
... ...
A chuva chegando ao fim...

As águas escoaram tudo...

Limparam minha vida...

E regaram as rosas de meu

tumulo...

.

terça-feira, 21 de abril de 2009

Ruínas

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"Meu coração, como um cristal, se quebre;
O termômetro negue minha febre,
Torne-se gelo o sangue que me abrasa,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!"
{Augusto dos Anjos}

Infinitamente desmoronam casas, uma por uma vão caindo. Ruas inteiras, avenidas gigantescas, prédios enormes entupidos de gente. Tudo parece desmoronar dentro daqueles que conseguem criar um outro mundo, tão real quanto o mundo palpável, mas muito mais subjetivo, de fato.
Cegonha triste é a alma, que assiste a tudo isso melancolicamente, vendo ao cair de uma casa, o surgir de uma outra mais precária. Sempre o fim... e o inicio de um novo fim.
Sempre escombros, ruínas, restos. Sempre lembranças se esforçando para serem esquecidas. Sempre o sempre de sempre.
Cegonhas tristes não podem sentir febre. O coração delas é de cristal inquebravel. Talvez o sangue que aquece suas veias seja de fogo, impossível de congelar-se; por isso conseguem assistir às ruínas de modo indiferente, sempre com a certeza de que haverá novas construções prontas a tornarem-se novas ruínas.
O coração é quebrantavel, a carne adoece facilmente e morre, mas não existe inverno àqueles que têm alma em brasa. O frio é necessário, mas sempre supérfluo. É sempre passageiro e não é capaz de transcender os limites da mente; está sempre vinculado às decepções, ao contrário da alma que está sempre vinculada às verdades que ela própria inventa... e, definitivamente, frustração nenhuma é verdade eterna. Ruínas permitem novas construções.
Coisas construídas em chãos sólidos são desmoronáveis. Por isso não faço mais planos racionais; a razão tende a enlouquecer quem anseia por vida em abundância.
Construo castelos no céu. E tais castelos são de areia, ou melhor, de poeira de rubi. São castelos frágeis aparentemente, mas na verdade são rígidos e divinamente protegidos. Cegonhas tristes são anjos lá, e o sangue que me abrasa se torna o sangue que purifica, revigora, e torna real algo abstrato e pouco valorizado como “amor”.
Quero continuar para sempre vendo desmoronarem casas dentro de mim... mas os castelos que construo no céu que há em mim, jamais desmoronarão.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Um dia (quase) estranho

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''Todas as noites, um segundo antes de afundar, pensava — onde quer que você esteja, em qualquer região da minha mente, no mínimo interstício, na fímbria do pensamento, frincha da memória, dobra da fantasia, faixa vibratória passada presente futura, aqui vou eu ao seu encontro, meu bem amado.''
{Caio F.}

Será que há maneira melhor de acordar?
O dia está cinza, apesar do sol; as obrigações me persuadem a fazer algo, mas a gripe do fim de semana só faz com que eu queira fazer nada (a febre é bastante verdadeira).
De que importa? Tudo parece superficial quando recebemos algo tão lindo. Principalmente se a pessoa que manda tal coisa é aquela que você mais estima, mais quer bem, mais ama e considera, e mais próxima tem, apesar dos quilômetros de distância.
Assim hoje, que tinha tudo para ser um dia estranho como tantos outros dias estranhos, foi salvo. Salvo mais uma vez pela força de um sentimento; sentimento este que pode sim ser dito com palavras... apesar de elas deixarem no peito um gostinho de. Esperança? Felicidade? Saudade? Tristeza?..... sei lá. Fica um gosto de algo mais.
Hoje o dia não será estranho... não será não. Graças ao texto que recebi. E graças à reciprocidade (tão rara de achar) de sentimentos que compartilho com alguém.

Obrigado, IC.

domingo, 19 de abril de 2009

Manhã

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Iremos realmente ter uma manhã?
É tudo tão simples como o findar de um dia?
Posso ver que dias são como montanhas
E podem ser altos demais para se ver além.

Como andar qual água? - seguindo o fluxo
Como criar asas e apenas voar? - como pássaro.
A manhã deve ser um lugar muito famoso...
Do qual eu nunca ouvi falar.
Será que está no fim das águas?
Será que está nas asas que não tenho?

Algum alpinista já chegou no topo da manhã?
Responda-me!
Algum marinheiro anda como água?
Responda-me!
Algum sábio dos céus, por favor
Me responda onde jaz esse lugar
Chamado manhã...

Manhã...
Iremos realmente ter uma?

sábado, 18 de abril de 2009

Do Amor...E outros demônios

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Segure a mão de meu interior e siga-me
Para as trevas onde enxergamos mais; ao chegar
Dispa sua exuberante alma e entregue-a por inteiro
Para que a luz invisível que exalamos possa
Reluzir em nossos corações ansiosos e agonizantes;
Antes que a chama se apague, dispa sua alma
Desnude o mistério de seus olhos e
Dê-me mais de ti.


Descarte superficialidades e vãos devaneios;
Abrace a escuridão de amar sem pensar e nem pesar.
O momento seguinte nunca chegará se nos prendermos
No agora... Aqui neste lugar oculto e sinistro
Aqui em meu ígneo coração
Mergulhe no fogo; arrebate meu viver
Acorrente-me em seus braços; dispa sua alma e
Dê-me mais de ti.


Sacratize esse sublime sentimento
Eternizado em dois mesmos espíritos.
Quando tudo parecer acabado, provarei
A eternidade ao tocar seu coração puro e
Certificar-me-ei que minha alma e tudo que
Parecia perdido dentro da escuridão
Estava desde sempre protegido em você,
Oh, semente divina do Amor!
Su’alma é minh’alma; Seu coração é meu coração;
Dispa sua exuberante alma, abrace e ilumine a escuridão;
Dê-me mais de mim mesmo...
Dê-me mais de ti.

Alegoria da desintegração

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Minha alma é uma caverna vazia e inabitável.
Meu corpo é matéria vã em constante perecimento.
Minha mente não deixa que eu seja crente em nada...
Definitivamente, nunca haverá em que crer uma alma oca;
Uma caverna inexplorada e escura onde nem morcegos
Buscam moradia
Alguns ecos vindos de longe sobrepassam a escuridão,
A matéria, mente... Não consigo compreender
O melancólico ruído que vaga pelo vazio funéreo.

Meu coração é gelo pontiagudo preso no alto
Imóvel, frio, infalivelmente petrificado pela eterna
Certeza de que não vale a pena ser coração em brasa
Mais vale o vazio ao ingrato sentimentalismo
Gerador de tantas e tantas frustrações e desencantos que
Insistem em morar
Junto à alma; ecoando ao longe estão todas
Minhas agradáveis recordações que são muito amargas
Para que eu distinga entre boas ou ruins de reviver...

Meu viver é um aglomerado de nada
Nada que é a síntese do tudo refletido
No espelho que está frequentemente a me julgar de massa fétida
Em constante putrefação e morta antes mesmo de nascer.
Os sons ecoam mais forte quando o gelo de meu peito
Consegue queimar e furar profundamente meus
Pensamentos
São ecos e reflexos de duvidas que nunca encontrarão respostas.
O ardor gélido torna mais claro a tonalidade do som inaudível,
Sinto meu corpo congelar... ouço indo e vindo a musica
De um nome distante demais para ser alcançado. Então

Algo invade a obscura e solitária caverna,
Exalando paradoxos e gritando alto, muito alto
A ponto de quebrar o gelo pontiagudo preso
No topo da gruta vazia.
Estilhaços caem por toda parte,
A mente doe a alma ensurdece.
Restam apenas pedaços
De sangue solidificado pelo chão seco.
Os ecos silenciam. Os gritos calam. O escuro aumenta.

Quem conseguiu invadir a caverna em treva
Fazendo barulho em demasia, destruindo o que eu não tinha?
Agora nem a dor fatigante em meu coração
Eu sinto mais
Vazio por saber que o gelo não derrete...
Apenas quebra e se espalha em miseráveis cubículos.
Se ao invés de som houvesse luz,
Haveria então água ao invés de gelo.
Assim talvez
Tudo em mim estaria mais puro...
Mas não Há quem culpar por isso.
Culpado é o liquido sólido
E frágil de alucinações de um coração insano.

O que sobra agora? Só um nome e uma sede eterna
Que tento saciar com o vinho feito de sonhos, o vinho
Que alegra o coração exaurido do herói.
Meu coração nunca encontrou alegria vivendo em mim,
Só resta, então, aceitar viver...
Viver desintegrado,
Utilizando todos os cubos de estilhaço para refrigerar
Taças de sanguíneos sonhos... para isso serve
Um coração destroçado: tornar melhor o vinho
E nada mais.

Primeiro Abismo

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Ele... nove, dez anos talvez.


Nove ou dez anos que pareceram tão fúteis e sem sentido quanto à vida das pessoas maiores de vinte. Mas ocorreria algo naquele fim de semana. Ele tinha certeza disso, como que premeditando que a luz divina, emancipadora dos grilhões da mediocridade, iria realmente brilhar nele.

Sábado chega. Acorda ansioso. Tentando concentrar-se ao máximo para que não tenha jogo do Brasil (algum desenho japonês da “Manchete” incucou-lhe que isso [concentrar-se] dá certo). Jogos de futebol sempre foram seus principais inimigos pois, uma vez que houvesse algum no fim de semana (e sempre eram no fim de semana, são até hoje), au reveur qualquer possibilidade de passeio.
Dependia do pai para sair. E o pai dependia do ter,ou não jogo de futebol.
É triste depender dos pais para quase tudo. Porém ele já fazia miojo sozinho, ia e vinha da escola sozinho e, às vezes, até cuidava sozinho de sua irmãzinha mais nova enquanto a mãe saia sabe-se lá deus para onde.

Dependia dos pais para passear. Para ir comprar roupas (sempre àquelas que a mãe achava mais “fofas”). Camuflava sua falta de amigos locando cartuchos do seu master system, e para isso também dependia dos pais; e até para encher a mente com crendices, que foram destruídas não muito tarde, e para reprimir por mais tempo seu fascínio por coisas relativas à morte (sempre desejou um colar de caveira, mas o pai insistia que era coisa do diabo)... Enfim, para se entreter ou fingir entreter-se e para crer em mentiras ele dependia dos pais.

Para viver precisava dos pais. Para pensar também, pois era quase obrigado a crer que a voz de seus genitores era onisciente. Em muitas coisas ele era moldado pelos pais, mas sentia-se maduro por ter algumas tarefas que os outros não tinham, e, paradoxalmente se sentia imaturo por aceitar ser aquela projeção idealizada de filhinho quieto e educado adorador de vídeo-game com forte tendência a tornar-se um nerd suicida.
Apesar de todas as dependências fraternais, nunca reclamava e, ao contrário, se exaltava em silêncio quando podia ir ao fliperama do shopping, à praça, ou mesmo ao portão da casa junto ao pai. Nada disso ocorreria esse sábado, seria diferente, ele sabia, não iriam a nenhum lugar costumeiro, iriam a algum lugar inexplorado, divino, sagrado, maldito e profano.
Não teve jogo da seleção e nem outro qualquer. Todos se arrumaram após o café. A mãe calada (ele só descobriu o porquê desse calar-se subitamente da mãe, quando completou dezenove anos). A irmã indiferente. Tudo pronto. E o carro saiu da garagem rumo a...

Ele não quis saber dessa vez...

Preferiu o suspense, pois certo estava de que haveria algo grande naquele fim de semana.
O carro seguia firme. Sob o sol escaldante eles iam e iam. Ele imaginando porque será que todo sábado tem que ter sol; o pai silencioso; a mãe fechada; a irmã indiferente.

Até que inesperadamente de modo já esperado (ele sabia...), o pai disse que estavam indo ao zoológico e que no retorno do passeio passariam na locadora para buscar alguns jogos. Surpreso, ele desanimou. Não queria ver animais estúpidos e queria ainda menos ver pessoas estúpidas felizes por verem animais presos; presos e estúpidos por não se rebelarem atacando-as.

Sentiu ânsia. A Ânsia da Frustração. Era motivo aparentemente pequeno, mas sua alma tinha sede e a água que não recebeu parecia ter vertido-se em fogo. Só queria voltar pra casa e desejar nunca mais sair de lá. Notou então que a frustração gera algo mais potente dentro de nós que a exaltação. Sentiu-se sozinho. Cogitou profundamente o que era naquele momento, o que viria a se tornar, quando poderia ter uma namorada, teria mesmo uma namorada? Quem iria querer alguém que vive enclausurado? Enclausurado... surgiram em sua mente muitos animais presos. Presos e observados por outros animais superiores. Quase hipnotizado, ele viu a si próprio enjaulado e observado por seus pais, sua irmã, sua escola, o mundo, o mundo dos outros, um mundo estranho a ele! Sentiu quase que um desespero. E desse desespero saiu um soluço, seguido de choro convulsivo, desconcertante de tal modo que até o silêncio da mãe fez-se quebrado. Perguntaram o que ele tinha... mas ele não sabia. Já estava perdido dentro de tudo que sentiu. Já não se importava com zoológico, animais, namorada, maturidade nem nada; só queria que ali, dentro de cada lágrima abafada que escapava, pudesse escapar também esse vazio cheio de vontade de...

Ele não quis saber dessa vez...

Nas outras vezes havia sempre um motivo concreto. Dessa vez ele não sabia nem se havia motivo. Sentia como se alguma coisa dentro dele quisesse fugir, quebrar os muros de uma prisão invisível que sempre existiu ali,em algum lugar desconhecido por ele, nele. A mãe tentou consola-lo, em vão.

E seguiu o trilhar silencioso de lágrimas até que chegaram em Itaquera, “zôo-municipal”.

Primeiro o leão! Disse o pai.

E foi feita conforme a vontade do pai. Todos seguiram rumo ao leão... Ele cabisbaixo, mergulhado em si próprio, a mãe calada, a irmãzinha indiferente e o pai com falsa exaltação.O que ele esperava? Sentia que algo ocorreria, e... será que não ocorreu algo? Ele começava a se perguntar.

Chegam ao grandioso, sem graça e covarde leão. O “rei” da natureza estava dormindo dentro duma pequena gruta, parecida com a caixa de papelão que costumamos colocar para dormirem os filhotes. O rei dorme. O rei está preso e é covarde. Tudo parecia se relacionar a ele. Já não estava mais agüentando. A cada nova erupção de lágrimas silentes, a mãe dizia que esse menino precisa se tratar, sem paciência, chama-o de louco. O pai retrucava, não suportava mais o nervosismo da mãe. A irmã se contagiou com o clima e começou a chorar ruidosamente. E o leão dormia dentro da gruta.
O passeio terminou sem ter sido começado. Tudo por culpa dele, que havia perdido-se dentro de si mesmo. Estava cego. Sim, tinha certeza de que estava cego e sentia que dentro de si havia um quarto sem janelas, que diminuía conforme seus olhos iam abrindo. Conforme ele ia vendo o que era realmente tudo que o cercava, o quarto ficava mais estreito e ele, ou a alma dele, ficava mais espremido, mais dorido, mais vazio, mais sem sentido...Pode notar que era isso que tinha que acontecer, e se consolou dessa maneira.

Achou bom mergulhar em si. Percebeu que existia um abismo gigantesco dentro dele. E, enquanto caminhavam rumo ao carro para irem embora, ele ergueu a cabeça e olhou. Viu além um vendedor maltrapilho vendendo bonés com hélices. Não apenas um chapeuzinho...Ele viu mais que um ridículo boné de criança. Viu a salvação. Viu animais voando naquelas hélices; viu a si próprio escapando para bem longe dentro de si. Instintivamente pediu ao pai o boné no lugar da locação dos cartuchos. Sem entender, nem indagar, o pai lhe deu o boné... Ele voou, sorriu, anestesiou sua mente e nunca, nunca, nunca mais teve medo de nadar no oceano do vazio que tende a ser desperto por frustrações...

A mãe falava alto com o pai, o pai brigava com a mãe, a irmã chorava incessantemente, mas ele não se importava. Poderia acabar o mundo, ele estava seguro viajando sobre as hélices de um boné comprado num zoológico.
Depositou em tal boné o credito de passaporte ao mundo de dentro, que até então ele não conhecia. E graças a esse boné bobo, pode ter uma solidão agradável durante a infância. O problema surgiu depois, quando habituado a navegar em seu interior sem o boné (perdeu-se um dia), pode ver que dentro dele existiam demasiados abismos... insondáveis e muito mais complexos que o primeiro abismo, descoberto aos nove ou dez anos.

Há pouco tempo ele saiu de um abismo árduo como o hades... Hoje mesmo ele se vê lançado noutro que parece imensurável... Querendo ou não querendo, ele sempre sabe quando o dia vai clarear ou lhe derrubar dentro de si mesmo... E ele sabe que dói bastante quando se está perdido e que pode haver abismo dentro de abismo, uns mais escuros que outros. Sabe também que é demasiado bom quando se aprende a andar dentro da alma; principalmente quando se pode levar alguém especial junto.

Foi o boné com hélice que lhe mostrou que toda realidade é criada por nós mesmos. O mesmo boné ensinou-lhe a lidar com o amor... e a frustração.

Claro!... Ele sabia que algo ocorreria naquele fim de semana.
E continua sabendo até hoje.