sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Um oceano de recordações

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No silêncio de um quarto vazio ouço sua voz, mas não a entendo.
A vastidão de um lugar habitado apenas por reflexões e memórias não permite que coisa alguma seja compreendida. Pouco importa, afinal, não há o que compreender realmente...
Basta-me ouvir sua voz maviosa sussurrando uma coisa qualquer e tirando meu fôlego; afogando-me sem querer no enorme mar de doces recordações:...



...de bons abraços; de bons silêncios; de seus olhos tão profundos; do seu sorriso cativante quando me encontrou ocasionalmente pela primeira vez; do beijo que não te dei na Nobel; do abraço da primeira despedida após o primeiro encontro; dos filmes que não assisti por que você me roubou a atenção; do vinho que você rejeitou no dia em que peguei firme na sua mão, levando o primeiro choque de senti-la mais próxima; do tremor de nós dois após o primeiro beijo; da incerteza após o primeiro beijo; da certeza após o segundo; da longa despedida; do reencontro e da insegurança do passeio no campus; das idéias caiofernandianas; dos papos sobre livros; dos ataques súbitos de vontade de te matar de carinhos; do seu cabelo longo e liso atrapalhando meus lábios a tocarem teu pescoço; de teu cheiro sempre tão suave; de sua pele tão alva e delicada; de sua maneira racionalmente pé-no-chão de me puxar quando estou alto demais; de sua inteligência que rendeu boas horas de conversa na internet; da taquicardia causada por ti mesmo estando longe; de seu pessimismo completando o meu; de sua alegria completando a minha; de sua dor se mesclando a minha; de seu espanto ao ver da janela da minha casa uma chuva de granizo; da praça em que nos encontrávamos com o coração pulsando tão forte que sentíamos um o do outro; de você querendo ir embora por causa do horário e eu sempre querendo que você ficasse mais;
...de seu corpo inteiro envolto em meus braços; de sua cintura aguçando minha vontade de te morder; de seus suspiros em meio a beijos mais longos; de seu nervosismo fingido quando começo a te atormentar as idéias; das músicas que muitas vezes foram o único ruído; de seu jeito singular de não dizer o que sente; de nossas desilusões compartilhadas desde o principio; de nossas vontades impossíveis compartilhadas desde o principio; de você reprimindo meu êxtase quando me deixava levar pelo desejo; de nossos primeiros toques; de todos os demais toques; de seu nariz que você nunca deixou eu pôr o dedo dentro; de seu pé pequenino; de nosso quarto quando estivermos velhos; de suas esnobações e gracejos quando lanço alguma cantada de pedreiro; de você vindo sorrindo me abraçar na rodoviária; de suas expressões enquanto dorme; de sua cara amassada tão bonita após uma noite de sono que perdurou até pouco mais de onze horas; de sua mania de roer a coberta; de sua braveza por sentir cheiro de cigarro em mim logo cedo; de suas pernas e de suas coxas - tão dignas de um natal farto - sobre mim; de sua negação aos meus beijos cheios de mau hálito matinal; de seu copo de café transbordando; do seu medo de planejar coisas; de seus segredos tão claros; de nossa saudade; de nossa sede;
...de seus olhos tão profundos; de bons silêncios; de bons abraços; de quando você disse “eu te amo”; de quando eu disse “eu te amo”; de quando novamente nos encontraremos pela primeira vez ... num ciclo infinito onde o velho é sempre novo e o que ainda não veio se torna nostálgico...

Sua voz some...
o quarto permanece vazio e eu ainda estou aqui, estático, sem ar, ofegante e atordoado e vivo.
Quem dera fosse possível morrer afogado num mar de lembranças tuas...
quem dera fosse possível terminar com “nós dois” e um ponto final...