sexta-feira, 30 de março de 2012

Autoajuda

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Controle: levantar cedo; tomar qual tipo de café; tomar banho após escovar os dentes; fazer a barba; ir mais cedo à aula; assistir ao telejornal; almoçar de acordo com o dinheiro do bolso; comprar cigarros; ler ficção ou teoria; ver pornografia; escrever para a namorada; ligar para a mãe;

Descontrole: levantar contra a vontade; tomar o café que tiver na padaria; tomar banho para não feder durante a jornada do dia; fazer a barba para dar aula; chegar sem atraso; buscar informação;

Você tem medos. Medos te angustiam, seja em qual for o nível: tua mulher trabalha sozinha e, de fato, o chefe é um gostosão; você trabalha e, por mais que tente evitar, sua secretária é uma delicia. Mas você tem opção? De que valem aquelas curvas sugestivas e os gestos provocantes? De que vale sua preocupação com as mulheres, afinal de contas, como bem disse Zibia Gasparetto no livro que nunca lerei: ninguém é de ninguém. E você? É de alguém? Se culpa em vão por desejos que qualquer ser humano teria? Oras... Já passou do tempo de acordar e se ver tal qual você é. Fato é que você não pode ter controle da gangrena, do caminhão que está em movimento, constante e inevitável vindo em sua direção para te atropelar. Mas você pode ter controle sobre seus atos, mesmo tendo tendências animais, aliás, tendências "não-animais", tendências maquinais, por falta de uma alma. Não ser animal; ser máquina sucateada que se esforça para controlar suas próprias engrenagens, eis a sina.

Você tem domínio sobre sua própria vida. Você tem controle! Você pode optar ser um maldito hipócrita e ter vida dupla, ou você pode ser um maldito hipócrita consigo mesmo e não ter vida nenhuma. De que vale seu relacionamento? Você não é o que você consome, como diz algum filme ai, e você consome seu relacionamento. Você não é o seu emprego, mas seu emprego, por menos dinheiro que te dê, é o que te faz feliz. Feliz? Isso não existe e você sabe. Mas tudo bem. É sua vocação, assim como o tédio é a vocação da humanidade. Nunca chegar a lugar nenhum, mas se iludir sempre sobre argumentos triviais, maquinais.

Que saco é fazer qualquer coisa nesse mundo de lama feito de gente também de lama. Que merda é tentar se refugiar de antigos elixires divinos sobre o pretexto de fugir de uma ansiedade. Não existem gênios sóbrios, logo, vivemos em um mundo robótico. E por quê? Porque existem antidepressivos materiais, psicológicos, ilusórios. Gênios são doentes...ou suicidas. De um ou outro modo, vale muito a pena o risco de ser genial. Não vale é viver de modo ridículo em situações ridículas, com gente ridícula vivendo uma rotina de zoológico: esperando apenas pela visita que, talvez, jogará algum amendoim aos animais mecânicos.

Acorde! Veja na sua frente a ferida, e olhe longe sem alcançar médico. “Acostuma-te a lama que te aguarda”, diria o poeta. Mas a vida não é um eu-lírico. É um eu-fatal. E fatalmente, você opta entre o depressivo e o antidepressivo; entre o amor e a solidão; entre a paixão e a ausência; entre a angústia e a gangrena, mesmo sabendo que a angústia pode te gangrenar, o amor te fazer ainda mais só, e a paixão também te afastar cada vez mais de si mesmo. A solução é levantar, tomar banho, apanhar, esperar pelo amendoim, ignorar curvas que de tão repetitivas deixaram de ser apetitosas, filosofar em vão em algum boteco e depois arrancar a carne podre que te fere, arrancar a raiz da vida. Você pode ser um gênio. Encher a cara de depressivos, sim, de tudo que deprime. Ou se fazer de normal, entorpecendo-se de uma esperança fingida; esperança no nada; fé de máquina sucateada.