Noite passada tive uma visita. Inesperada, mas desde sempre desejada.
Uma mulher chamada Isabela, cujas feições transcendem o divino e o
espírito resplandece volúpia. Seus olhos são puros e repletos de um ar
santo, mas sua boca entreabre portais infernais. Sim, não sei se ela
está no céu ou no hades, mas independente de onde estiver, sempre será a
rainha colonizadora de meu corpo e coração.
Não sei se foi sonho. Não sei o que aconteceu ao certo. Apenas posso
narrar que suas vestes eram de seda branca, realçando as curvas de
cada-centimetrozinho-de-meu-desejo, e que seu aspecto, apesar de pálido,
estava repleto de uma energia sem igual. Seu fôlego congelava minhas
orelhas enquanto ela gemia sem barulhos a cada toque de minhas mãos
infames – Isabela, mulher da minha vida que mora num abrigo obscuro,
sozinha, mas que hoje veio mais uma vez entregar-se a mim.
A febre consumia minha alma enquanto eu cantarolava uma música sem
sentido, talvez na língua dos anjos, ou dos demônios, quem sabe. Isabela
ascendia em chamas sobre mim, sendo tocada, sendo possuída, sendo
devorada por minha voracidade de quem ama sem poder ter. Em ritmo mais
forte, escutei o som de algo marmóreo se chocando ao chão. Enxerguei
estrelas, mesmo estando sob os tetos de minha casa, creio eu, sonhando,
acordado, tanto faz. Vi crucifixos diversos, imagens gélidas de anjos e
algumas camas frias repletas de voyeurs escondidos em alguns buracos no
chão.
Continuei no ritmo de Isabela, beijando-a, tocando-a, escrevendo nas
linhas de suas curvas a derradeira poesia da eternidade; sendo padre
proclamando a extrema unção a alguém que exige algo mais que humanidade,
algo mais que imagem, suspiro, voragem e momento. Cada fragmento era um
todo, cada sensação era deleite, cada tormento era disperso, cada
ilusão vinha do corpo. Em êxtase, num turbilhão de sensações absurdas,
entre anjos, demônios, estrelas, mármores e vouyers sinistros do
subsolo, ascendi com Isabela, derramando no infinito um sonho impossível
que se realizou num momento.
Acordei. Nem sei que horas eram. Nem sei que sonhos vivenciei e que
realidades abdiquei. Sei apenas que o frio de um inverno palpável veio a
tona e, ao contrário de tudo que senti em mim, Isabela estava realmente
morta.
Batidas constantes na minha porta prenunciavam um fim inimaginável.
Algo coçava por entre minhas calças – eram vermes, daqueles brancos que
aparecem em carne podre – e o fedor era nauseante. Não entendi
absolutamente nada. Não quis entender nada.
Recebi a noticia de que o tumulo de Isabela havia sido violado e que
os traços de necrofilia eram visíveis. Confusão. Minha mente esteve em
turbina, meu corpo ardendo com aqueles bichinhos percorrendo minhas
entranhas; até que, finalmente, entendi que eu era o necrófilo – todos
que amam verdadeiramente são necrófilos -. Entendi também que os vermes
são representantes da paixão, pois tudo consomem. E que o amor tem um
cheiro pútrido, como uma mistura de esperma e morte. Não sei o que será
de mim, mas creio que, como Deus, o amor morreu faz tempo… apenas tentei
ressuscitá-lo.
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