terça-feira, 21 de abril de 2009

Ruínas

"Meu coração, como um cristal, se quebre;
O termômetro negue minha febre,
Torne-se gelo o sangue que me abrasa,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!"
{Augusto dos Anjos}

Infinitamente desmoronam casas, uma por uma vão caindo. Ruas inteiras, avenidas gigantescas, prédios enormes entupidos de gente. Tudo parece desmoronar dentro daqueles que conseguem criar um outro mundo, tão real quanto o mundo palpável, mas muito mais subjetivo, de fato.
Cegonha triste é a alma, que assiste a tudo isso melancolicamente, vendo ao cair de uma casa, o surgir de uma outra mais precária. Sempre o fim... e o inicio de um novo fim.
Sempre escombros, ruínas, restos. Sempre lembranças se esforçando para serem esquecidas. Sempre o sempre de sempre.
Cegonhas tristes não podem sentir febre. O coração delas é de cristal inquebravel. Talvez o sangue que aquece suas veias seja de fogo, impossível de congelar-se; por isso conseguem assistir às ruínas de modo indiferente, sempre com a certeza de que haverá novas construções prontas a tornarem-se novas ruínas.
O coração é quebrantavel, a carne adoece facilmente e morre, mas não existe inverno àqueles que têm alma em brasa. O frio é necessário, mas sempre supérfluo. É sempre passageiro e não é capaz de transcender os limites da mente; está sempre vinculado às decepções, ao contrário da alma que está sempre vinculada às verdades que ela própria inventa... e, definitivamente, frustração nenhuma é verdade eterna. Ruínas permitem novas construções.
Coisas construídas em chãos sólidos são desmoronáveis. Por isso não faço mais planos racionais; a razão tende a enlouquecer quem anseia por vida em abundância.
Construo castelos no céu. E tais castelos são de areia, ou melhor, de poeira de rubi. São castelos frágeis aparentemente, mas na verdade são rígidos e divinamente protegidos. Cegonhas tristes são anjos lá, e o sangue que me abrasa se torna o sangue que purifica, revigora, e torna real algo abstrato e pouco valorizado como “amor”.
Quero continuar para sempre vendo desmoronarem casas dentro de mim... mas os castelos que construo no céu que há em mim, jamais desmoronarão.

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